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Na despedida da elite, Said fala das glórias e da crise do Iranduba

Única equipe a disputar todas as edições do Campeonato Brasileiro da Série A1 – ao lado do São José-SP – o Iranduba fará seu último jogo como integrante da elite futebol feminino no país nesta quarta-feira (14), às 18h30 (hora Manaus), na Arena da Amazônia, diante do Palmeiras. Já rebaixado para a Série A2 de 2021, o Hulk pretende se despedir de forma honrosa sua bela história na competição nacional.

 

Desde sua primeira partida no novo Campeonato Brasileiro Feminino, no dia 18 de setembro de 2013, diante da Tuna Luso-PA, no estádio Francisco Vasques, o Souza, o Hulk da Amazônia colecionou números importantes para o futebol amazonense. E uma testemunha ocular dessa verdadeira odisseia do Iranduba pela principal competição do futebol feminino no Brasil é José Said Filho. Aos 56 anos, o preparador físico da equipe baré viu de perto os primeiros chutes do clube que viria se tornar octacampeão amazonense e referência da categoria no Norte do Brasil.

 

Único integrante da comissão técnica do Iranduba a participar das oito edições da Série A1, José Said comemorou cada uma das 31 vitórias do Hulk nos 85 jogos até aqui disputados na competição (aproveitamento de 34,6%). Assim como lamentou como poucos as 38 derrotas do time verde. Com alguns dos 16 empates, Said até vibrou – como o 1 a 1 contra Flamengo, na Arena da Amazônia, em 2017, resultado que levou o Hulk à semifinal da Série A1 -, outros nem tanto. Mas o que o profissional respeitado em todo o Amazonas lamenta mesmo é a atual situação do clube.

 

“A situação do clube vem se degradando nos últimos meses e chegou a essa situação, onde, infelizmente, perdemos a permanência na A, e no ano que vem, se voltar, vai jogar a B. Você fica chateado porque a gente vem desde o começo, trabalhando, sabe das dificuldades pra chegar até aqui. Mas, infelizmente, da forma como foi gerenciado esses últimos dois anos, não tinha outra situação que não fosse a questão do rebaixamento”, comentou Said relatando um pouco do que o Hulk passou até ser rebaixado.

 

“Pra completar ainda mais a situação difícil, nós ficamos sem jogadoras pra disputar o resto da competição. Fizemos uma parceria com o 3B, que gentilmente cedeu suas atletas, mas a gente sabe que é difícil a competição. A competição é de alto nível, e já é difícil quando você está disputando o campeonato com a sua camisa, imagina quando você está disputando um campeonato com atletas que não são as atletas da equipe”, disse o preparador físico eximindo culpa de quem quer que seja.

 

“A gente sai consciente do que fez e do que poderia ter feito. O Cavalo (João Carlos, treinador) fez excelente trabalho, as meninas se dedicaram ao máximo. O Bosco (Brasil Bindá, presidente do 3B Sports) deu todo o apoio, todo o suporte pra que a gente pudesse disputar esses jogos aí. Infelizmente a situação é essa, vamos levantar a cabeça e trabalhar pra que ano que vem, quem sabe, a gente possa voltar e conseguir o acesso pra A de novo”, completou.

 

O início de tudo – Campeão amazonense também no futebol masculino, José Said estava em campo no último título do América do saudoso Amadeu Teixeira, em 2009. No ano seguinte, o preparador físico chegou o vice Brasileiro da Série D com o Mequinha, feito só igualado pelo Manaus FC no ano passado. Em janeiro de 2011, com a fundação do Esporte Clube Iranduba da Amazônia, foi escolhido a dedo pra por em prática o ambicioso projeto de ser o maior time do futebol feminino do estado.

 

“Desde o início, a gente trabalhou com o ‘pé no chão’. Com o trabalho do Olavo (Dantas, primeiro treinador do Iranduba) muito sério, muito competente, a gente sabia da responsabilidade, mas sempre soubemos da nossa limitação”, recorda Said comentando a mudança de patamar do clube com a parceria com o Kindermann-SC.

 

“Em 2016 pra 2017 nós tivemos um bom ano. O Lauro (Tentardini, diretor de futebol) trouxe as meninas lá de Caçador (interior de Santa Catarina), era um grupo que estava em formação… o Sérgio (Duarte, técnico do Hulk em 2017), fez um excelente trabalho e nós chegamos às semifinais do Campeonato Brasileiro”, disse o octacampeão do Barezão Feminino.

 

Membro da comissão técnica permanente do Hulk, o preparador físico chegou a comandar o clube na final do Estadual de 2015, o primeiro com o reforço das atletas do Sul do país. Profundo conhecedor da categoria, José Said não via tanta diferença entre o futebol jogado no eixo Sul-Sudeste com o jogado pelo Iranduba.

 

“O interessante de tudo isso é quando você vê que, apesar da distância, de toda a questão de estrutura, a gente batia de frente, jogava de igual pra igual com grandes clubes de fora, com outra estrutura. Nós estávamos ali, na linha de frente, trabalhando no dia a dia com estrutura ou sem estrutura, como tem sido nesses últimos três anos, que a gente vem caindo um pouco, mas o trabalho continua em primeiro lugar”, exaltou.

 

Satisfação com o legado – Após o revés contra o Kindermann-SC, no último domingo (11), em Santa Catarina, era visível o abatimento de José Said. Apesar de todo o clima adverso, a esperança era de vitória e na permanência na Série A1. Questionado sobre o que o deixou mais feliz nesses oito anos na elite do futebol feminino, Said afirma que foi o legado de respeito com a competitividade do Iranduba.

 

“O que deixa a gente um pouco mais satisfeito é quando você sai daqui pra outra região, como foi agora, você não vê uma diferença tão grande. Por exemplo: nós enfrentamos equipes como o São Paulo, lá dentro do seu CT (Cotia), a Ferroviária-SP também jogando em casa (estádio Fonte Luminosa), além de Grêmio e Internacional, e nós vimos que foram questões de detalhe em que você poderia ter superado os adversários. E é essa satisfação que deixa: que apesar de nós estarmos um pouco mais distante dos grandes centros, não ficamos tão atrás em termos de trabalho e de resultado”, disse.

 

Hulk no fundo do poço – A crise financeira na qual o Iranduba se afundou nos últimos anos cobrou o seu preço. De sensação do futebol feminino no Brasil em 2017, onde Hulk foi notícia no mundo do esporte ao levar 25.371 torcedores na semi da A1 contra o Santos, o clube simplesmente definhou em dívidas e pode cair no esquecimento.

 

“A gente sabe que hoje o futebol feminino é profissional. Do mesmo jeito que você tem o futebol masculino, o futebol feminino é profissional, e sem dinheiro não tem como fazer futebol, hoje, em lugar nenhum do Brasil. O Iranduba, hoje, pelo que a mídia noticiou numa reportagem de seu diretor (Lauro Tentardini, diretor de futebol do Iranduba), mostrou um déficit financeiro de aproximadamente 2 milhões de reais”, comentou José Said mostrando pessimismo com a situação do clube.

 

“Acho muito difícil o clube sanar essas despesas em tão pouco tempo. Se não conseguir sanar essas despesas, acho difícil ano que vem o time voltar, mas a gente fica na torcida pra que o presidente Amarildo (Dutra) tenha o bom senso de trabalhar já nesse sentido: de tentar resolver esses problemas financeiros, e quem sabe ano que vem montar uma nova equipe e tentar brigar de novo pelo acesso à Série A”, ponderou.

 

Todos perdem – Em sua história no Brasileiro Feminino, o Iranduba começou mal das pernas. Nas três primeiras edições sequer conseguiu passar da primeira fase. A partir de 2016 a coisa mudou. O clube passou pela primeira vez da fase inicial do torneio, que culminou no quarto lugar na temporada 2017. Depois o Hulk enfraqueceu e em 2018 acabou na sétima posição. De acordo com Said, com a queda do Iranduba muita gente vai sair perdendo.

  

“A gente vem fazendo esse trabalho naquela intenção de mostrar que a gente aqui tem competência, de que o Amazonas tem uma grande equipe, que representa bem o estado. E aí você vai analisar que não perde só o Iranduba. Você vê que perde o Iranduba, perde a Federação (Amazonense de Futebol, FAF), que vai perder uma classificação. Perde o estado, que vai perder um clube que representava o Amazonas. Perde o município (Iranduba, distante 34 quilômetros de Manaus), que tem um nome que o representa. Então, se você analisar, é uma série de fatores. Também vão perder as jogadoras, porque é um clube que coloca atletas em evidência. Tem a Marília (meia atacante) hoje jogando na seleção brasileira, têm outras jogadoras que já passaram aqui pelo clube. Se você pegar nesses últimos cinco anos, todas as jogadoras que passaram pelo Iranduba estão empregadas em grandes clubes. E isso é sinal de que o Iranduba sempre fez um trabalho de alto nível, um trabalho muito competente”, elencou Said.

 

Mesmo sem citar nomes, o preparador físico foi taxativo ao afirmar que a queda do Iranduba não é culpa apenas de quem está em campo ou à beira dele. Há mais coisas envolvidas na crise do Hulk.

 

“Agora nem tudo depende só da comissão técnica, nós vamos pra campo trabalhar e precisamos de profissionais que realmente possam captar recursos pro clube, fazer uma administração mais profissional pra que a gente tenha sucesso em todos os segmentos, não só dentro de campo, mas também fora de campo. E pra um clube, que foi recentemente formado, não pode, num período tão curto de dois anos, adquirir uma dívida tão alta e chegar numa situação como essa”, lamentou.

A hora do adeus – Na Série A1, o Iranduba marcou 123 gols em 85 jogos, mas acabou tomando 142 tentos, os últimos três no fatídico jogo do rebaixamento diante do Kindermann-SC. E gol é um item no qual o Hulk necessita se quiser encerrar com dignidade sua participação no torneio. Nesta quarta (14), José Said espera que no jogo de número 86 do clube na elite do futebol feminino, o Hulk bata o Palmeiras e amenize um pouco a dor da queda.

 

“Temos esse último jogo contra o Palmeiras e a expectativa toda é que a gente possa fazer um bom jogo e quem sabe fechar a temporada com uma vitória, apesar de a gente saber que não adianta mais nada. Mas a gente fica sempre naquela torcida”, finalizou.

 

Texto e fotos: Denir Simplício (Especial para o site Emanuel Sports)

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